Vai chover, ele disse.
A neblina iluminada pelos primeiros raios de sol se dissipava vagarosamente por entre os arbustos e de onde eu estava via o orvalho refletindo o seu brilho furta-cor. Eram como pequenos pixels fora de lugar se destacando mesmo que de forma esparsa naquele verde intenso, agora um pouco banhado de dourado.
Eu sei como me provocar coisas perigosas, eu disse de repente.
Não entendi, ele disse enquanto olhava pro horizonte.
Eu sei, eu disse enquanto me agachava e pegava um ramo de florzinhas e as esmigalhava com as pontas dos dedos, o caminho dos pensamentos perigosos. Aqueles do tipo que se balança a cabeça para dispersar porque são coisas que não fazem sentido pensar, do mesmo jeito que não faz sentido provocar a infelicidade de forma gratuita. É quase como se fosse uma defesa da nossa espécie, uma maneira de se preservar.
Ele assentiu vagarosamente enquanto se sentava na campina.
Eu sei como tirar o sentido das coisas, eu sei arrancar fora o sentido do amor e de todas as outras coisas que nos dão propósito e substância. Eu sei esvaziar o sentido do sensível e do não sensível até o ponto de questionar se vale a pena o esforço de viver. Eu sei estranhar o meu corpo até que eu aceite que ele não é meu. Observá-lo como uma massa que tomou forma e virou um recipiente externo ao que realmente sou, mas que no entanto me carrega. E o meu corpo vira um fardo, e eu sou consciência sem forma. E nada disso faz sentido.
No entanto você está aqui, ele disse enquanto me encarava insistente. Segurou os meus ombros e assentiu: e respira. Posso ver.
Eu apenas neguei com a cabeça e retornei a atenção para um pássaro azul que ia e voltava para o ninho.
É duro não ter religião. É penoso não ter razão na qual se apoiar. Se eu tivesse um filho eu o faria acreditar em Deus. Nós criamos tantos, ele pode escolher um. Eu posso fazer um deus perfeito. Eu só preciso escolher a primeira palavra para o genesis. Depois a primeira frase. E assim por diante. Se eu posso fazer um filho concreto, um ser humano material em poucos minutos abrindo as pernas e recebendo uma semente, eu posso criar a fé com um pouco de grafite e papel. Minério. Madeira. E palavra.
Não conto carneirinhos na hora de dormir. As vezes me acho dura demais comigo mesma. Eu balanço o meu pé ao ritmo do ponteiro e vou contando até cair no sono. Em pensar que a geração atual não sabe contar no ritmo de um ponteiro. É engraçado e absurdo. Eles perderam uma maneira de cair no sono sem precisar se drogar. A outra maneira é pensar que estou morrendo ou já morri, e ir diminuindo o ritmo da respiração até o mínimo necessário. É tentador.
Ele estava indo embora porque só existia enquanto existia o meu monólogo. Fechei meus olhos mesmo com as incidências da luz. A manhã mal havia despontado, mas também o dia termina onde começa. Eu suspendi o momento. Agora, ele é eterno.
E nunca choveu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente minha insignificância