domingo, 31 de maio de 2020

desiderium

As vezes as palavras vêm fácil. Num relampejo bem claro, sei o que escrever, sei as imagens que quero destrinchar, sei o sentimento que quero expor. As não-me-esqueças no meio da neve, as flores cor de rosa com orvalho, as árvores paradas no meio do inverno onde o único som é aquele abafado do universo, o sol tocando o grande rio no fim da tarde chuvosa, melancolia. mas não sei o que essas coisas significam. eu não sei como reunir todas elas e exprimir algo mais concreto. Não se faz um livro só de fluxo de pensamento sem pensar num plot. Eu sei que esse plot não existe, eu sei que esse plot existe. Parece que quando morri eu acabei cruzando o rio do esquecimento e esgueirei o olhar para alguma coisa. quase olhei para trás porque a vontade era muito grande, mas não olhei de todo. Paixão ou arrependimento? sei que esqueci algo importante, algo alguém que quero lembrar,  mas não consigo. Como as músicas com as quais eu sonho, parece que sempre vou fisgá-las quando acordo, mas nunca. Como as coisas que leio nos meus sonhos, parece que a qualquer momento vou lê-las em alguma lugar, mas nunca. mas nunca...

a menina na praia disse
o rapaz no café pegou a caneta tinteiro baixou o livro e
a gata se esticou na árvore fazendo uma forma cômica de
parece que vai chover, ele disse destroçado com o rosto na janela e
eu enrosquei os lençóis no meu corpo mais uma vez mas não
enquanto fico em posição fetal lembro não lembro de
o corte chanel da menina que tocava o violino era... mas era de se esperar que...
Marina Iara Bianca nos papeizinhos da igreja, fiz questão de lembrar mas
tirei do olho 3 lentes de contato e disse ao poliglota que
ele me colocou no colo me abraçou me senti pequena e em paz
alguém cantou no mercado
você me amava tanto porque agora você me odeia eu gritei pra ela enquanto ela ria de escárnio
branco
branco
branco

apertei a neve na minha mão e a amassei de uma maneira que o gelo se comprimiu e ganhou o formato de uma bola imperfeita. Não era como a areia da praia. O cachecol enroscado no meu pescoço já não estava mais sendo tão útil. tão frio... eu fui ali para encontrar alguém, mas assim que cheguei esqueci. ele disse que no relógio havia... não havia nada. que relógio? sentei na neve abraçada com os meus joelhos observando a estrada desaparecer no branco. De onde eu venho não neva. mas então que lugar é aquele que está nevando? na verdade... de onde eu vim mesmo? porque estou sozinha nesse lugar? e porque de repente... estou me sentindo tão           sozinha...

silêncio
ele disse

alguém bateu na porta no meio da noite
e dá pra perceber que não levo jeito pra escrever

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