"Há um momento, quando se desperta de um sonho sob o sol quente, um momento fora do tempo quando não sabemos quem somos. Primeiro, porque nos sentimos absolutamente livres, como se pudéssemos nos transformar em qualquer coisa, poderíamos até ser dinheiro. Mas então sentimos no rosto um sopro quente e, acho que não, não sou dinheiro, devo ser aquela brisa que sopra do mar. Parece que o peso que sentimos no corpo é o peso do sal no vento, e a sonolência gostosa que nos enfeitiça vem sempre do cansaço por empurrar dia e noite as ondas pelo oceano a fora. Mas logo percebemos que não, eu não sou a brisa. Na verdade, sentimos a areia deslizando pela nossa pele nua. E por um instante somos a areia que a brisa sopra pela praia, só um grão de areia entre os bilhões de grãos que são soprados. Como é bom ser irrelevante. Como é agradável saber que não há nada a fazer. Como é doce simplesmente voltar a dormir, como faz a areia, até o vento resolver acordá-la outra vez. Mas então compreendemos que, não, eu não sou a areia, porque essa pele na qual a areia desliza, essa pele é minha. Bem, então sou uma criatura com pele - e daí? Não sou a primeira criatura a adormecer no ao sol, escutando o ruido das ondas. Bilhões de peixes já escapuliram do mar assim, debatendo-se na areia branca ofuscante, e que diferença vai fazer um a mais? Mas o momento prossegue, e eu não sou um peixe morrendo - e nem de fato estou dormindo - e assim abro os olhos e olho para mim mesma e digo: Ah, então sou uma garota. É o que sou e o que eu vou continuar sendo, e enquanto isso a mágica das formas mutantes dos sonhos volta, sussurrante, a se misturar ao rugido do oceano".
(Pequena Abelha, Chris Cleave)
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